1. POR QUEM TU ÉS DESEJADO
2. QUEM ANDA AO MAR 3. AI CARAMBA 4. PONTE DA MISARELA 5. NÃO DÊEM CABO DO MUNDO 6. SAHARAUI 7. À FORÇA NÃO HEI-DE IR 8. BALADA DO DESAJEITADO 9. CAIXINHA DE MÚSICA 10. LEVITAÇÃO AZUL 11. SE AS ONDAS VOAM COM O VENTO 12. CANÇÃO DE EMBORCAR 13. DOIDEIRA 14. NINGUÉM É DONO DO MAR 15. VADE RETRO SATANÁS 16. NEM MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA SE ACABE |
LETRAS
1. POR QUEM TU ÉS DESEJADO
2. QUEM ANDA AO MAR O mar a salgar-nos a vida E a vida sem sal O vento a empurrar-nos a alma Contra o temporal Mas quando o destino foi tudo o que herdamos Dos nossos avós É tão pouca a sorte O vento é tão forte Que há-de ser de nós? As mãos presas na corrente O tempo a passar O mar a gastar-nos os anos O medo a ficar No fundo das águas Descansam mil mágoas do nosso sofrer A manhã clareia A rede vem cheia Que mais posso eu querer? Quem anda ao mar Não tem dia, não tem hora Nunca sabe quando chega Nem quando se vai embora Os dias são como as ondas É o mesmo vai e vem O mar é como a saudade Não poupa ninguém No vazio da praia Esvoaça uma saia Cor negra a sofrer E se a calma vaga Que a manhã me traga a alegria de o ver Quem anda ao mar... Dizem que o mar também chora E é como um marco sem ter farol Chora p'la lua que se foi embora Como uma louca, atrás do sol E às vezes as fúrias são tantas Que não há ninguém que o possa acalmar A não ser a alma daqueles...que andam ao mar Quem anda ao mar... 3. AI CARAMBA Veio da costa com sorrir de quem chegava cedo Trazia histórias de baleias de marés e medo E aquela gente que nunca tinha visto o mar contado Ouvia tudo como segredo que é revelado E a filha do carpinteiro que era como uma sereia Tão boa como água mansa fêmea como a lua cheia De crescer água na boca de sonhar a noite inteira Punha-me a pensar sozinho que ainda a deitava na eira Ai caramba! Aquilo é que havia de ser caramba Palavra de honra Só me arrependia do que não fizesse Ai se eu pudesse catraia Levava-te a navegar O teu lenço, a tua saia Deitava os dois ao mar E era o que Deus quisesse, Ai catraia se eu pudesse... Raio de moça que já me põe a falar sozinho Ainda hei-de um dia aparecer-lhe à curva do caminho Quando a nascente se levantar lá das terras da sorte Hei-de dizer-lhe que é mais bravia que o vento norte E um dia de manhãzinha o pescador perdeu o medo E foi bater-lhe à porta e disse eu quero contar-te um segredo E ela pior que as marés deu-lhe a resposta despachada Mais mas é de volta ao mar que tu daqui não levas nada Ai caramba! Aquilo é que havia de ser caramba... 4. PONTE DA MISARELA Levanta-se a mulher noite calada, Como se a manhã já estivesse a chegar. Vai a ver dos auxílios do azeite, Já tem mais de mil quebrantos p'ra rezar. Não se tem prenha por nada, não se alegra; Já não sei que mais lhe eu faça p'ra a alegrar; O diabo é que a barriga não lhe medra De tão triste que ela anda, já se anda a desesperar. E quando vier a noite escura Havemos de ir os dois à Misarela Que o menino venha breve, são e salvo E que ninguém tenha pragas p'ra lhe rogar E que a desgraça não nos entre casa dentro: Cruzes, credo, nem por nada! E que se acabe o mal que nós temos passado E que haja alguém que lá passe p'ró baptizar E que o remédio seja santo Quando formos à ponte da Misarela. Mal a noite caia pelos penedos Vamos lá mas não o contes a ninguém! Havemos de esperar um viajeiro Que nos baptize o menino ainda na mãe; Se for moça há-de chamar-se Senhorinha Se for homem o nome há-de ser Gervaz Tantas vezes me endoidei no corpo dela Hoje vou à Misarela, já nem hei-de olhar p'ra trás! 5. NÃO DÊEM CABO DO MUNDO Já tenho a alma incinerada p'lo medo Já tenho o espírito meio globalizado E há tanta coisa complicada combinada em segredo Que a gente quer-se virar e não sabe p'ra que lado Dizem que o mundo anda doido Mais doido anda quem o faz Diz que disse mas não disse E anda tudo ao abandono Quem não acreditar é só espreitar P'lo buraco da camada do ozono Não dêem cabo do mundo ainda cá temos muito a fazer Não dêem cabo do mundo se não como é que se há-de cá viver É só atritos e detritos na alma Terra quente, guerra fria, ambiente em cuidados São marcadas as cimeiras da calma Cessar fogo, fogo posto, mil acordos falhados Quem te manda sapateiro tocar tão mal rabecão Hemisférios divididos, não se apaga o lume És igual ou diferente, és mouro ou cristão Tio Sam, então... salamalecum Não dêem cabo do mundo... E as ribeiras a correrem aflitas São descargas e descargas e ninguém faz caso Frases feitas e desfeitas, muitas coisas ditas E se algumas foram escritas foi só por acaso Cada um faz o que quer e ninguém faz o que devia Mina anti-pessoal, fome triste sina A ajuda humanitária chega qualquer dia Foi comprada em Israel, vendida na Palestina. Não dêem cabo do mundo... 6. SAHARAUI 7. À FORÇA NÃO HEI-DE IR Corpo a rebentar p´la terra que nos quer salvar E o mundo não entende esta canseira Custa-me a entender que é mesmo assim que tem de ser E mandam-me aceitar queira ou não queira Tanto hei-de dizer que alguém há-de entender Que à força não hei-de ir, eu À força não hei-de ir Não há-de haver ninguém que dite o mal e o bem Que à força não hei-de ir, eu À força não hei-de ir De pedra na mão se trava a força de um canhão Batalha desigual que dói na alma Força de um querer que o mundo afasta p'ra não ver Mas sobra-me a razão que não se acalma O tempo a passar, ouço a terra a gritar À força não hei-de ir, eu À força não hei-de ir Não há tempo a perder que o mundo há-de entender Que à força não hei-de ir, eu À força não hei-de ir 8. BALADA DO DESAJEITADO Sei de alguém por demais envergonhado Que por ser tão desajeitado Nunca foi capaz de falar Só que hoje viu o tempo que perdeu E sabes esse alguém sou eu E agora eu vou-te contar Sabes lá o que é que eu tenho passado Estou sempre a fazer-te sinais E tu não me tens ligado E aqui estou eu a ver o tempo a passar A ver se chega o tempo De haver tempo pra te falar Eu não sei o que é que te hei-de dar Nem te sei inventar frases bonitas Mas aprendi uma ontem, só que já me esqueci Então olha gosto muito de ti Podes crer que à noite o sono é ligeiro Fico à espera o dia inteiro Para poder desabafar Mas como sempre chega a hora da verdade E falta-me o á vontade Acabo por me calar Falta-me jeito ponho-me a escrever e rasgo Cada vez a tremer mais E às vezes até me engasgo Nada a fazer é por isso que eu te conto É tarde para não dizer Digo como sei e pronto Eu não sei o que é que te hei-de dar Nem te sei inventar frases bonitas Mas aprendi uma ontem, só que já me esqueci Então olha gosto muito de ti 9. CAIXINHA DE MÚSICA Ao som de uma caixa de música, acordou João Ao lado do berço um corpo caído, desilusão A casa vazia e no ar um cheiro, a solidão Pra lá da janela uma visão tão estranha O que terá acontecido? Como um pássaro que saíu do ninho e esvoaçou João deu a medo alguns passos p'lo quarto e sem querer Debruçou o corpo sobre o chão morno e adormeceu Talvez pra dormir o seu último sono E o que fica a dizer? João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade Onde só se contavam histórias, de mal e de bem João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade Onde só se contavam histórias de realidade Uma brisa estranha chegou de repente, com sabor a fim E uma noite fria caiu sobre os restos do auge do poder Entre o tudo e o nada ficou uma sombra, uma recordação Talvez algum dia alguém venha a perguntar O que terá acontecido? Um manto de fumo cobriu a cidade, em forma de adeus Talvez p'ra apagar a última imagem guardada da terra A tocar no meio do deserto plantado a caixinha ficou Testemunha ingenua das glórias já findas E das marcas da vida João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade Onde só se contavam histórias, de mal e de bem João, mais uma vítima nuclear numa casa no meio da cidade Onde só se contavam histórias de realidade E tudo acabou! 10. LEVITAÇÃO AZUL No átrio do cinema, entardecer de café Em Lilás, só p'ra te ver sorrir Vestidos à pressa foi só p'ra perder a sessão Nem me sei despedir E então, o filme da tua mão, na tela Talvez um dia venha a sentir a tua falta de ar Nalgum entardecer Adivinhar o filme da tua nova história de amor E fingir não entender E então, as coisas são como são, é pena? Faz-me um favor, deixa o teu perfume no elevador Então faz-me um favor, por favor Ah, levitação azul Voltei a casa só p'ra te revisitar Levitação azul Deixa passar mais uma meia hora Adoro fins de tarde a recordar-me de ti Em Lilás, só p'ra te ver sorrir Depois de um mazagran com duas pedras de... Toca o telefone, um convite p'ra sair E então, tu vais dizer-me que não, faz parte? Enquanto os dias passam com retratos de creme e limão Gotas de entardecer As nuvens envelhecem no calor da primeira estação De um comboio a perder E então, o amor servido em boião, lembranças? Faz-me um favor, deixa o teu perfume no elevador Então faz-me um favor, por favor Ah, levitação azul Voltei a casa só p'ra te revisitar Levitação azul Deixa passar mais uma meia hora |
11. SE AS ONDAS VOAM COM O VENTO
Quantas vezes sozinha no teu quarto Com silêncios que são mágoas só por si Olhas-te ao espelho como se à espera de alguém Mas o tempo, esse, não espera por ti Até que a noite vai trazendo o amanhecer Sente saudades de alguém que nunca chegou Lá fora a vida vai correndo a bom correr Cá dentro o sonho ainda não acabou Não faças caso se as ondas voam com o vento Ou se uma nuvem faz escurecer o mar É que mais vale um olhar para o mar cinzento Do que o mar cinzento no olhar Contas os dias num relógio que parou Guardas as marcas que te acalmam a vontade Esperas navios nalgum cais que já secou Mas cada dia só traz em si a sua eternidade Não faças caso se as ondas voam com o vento Ou se uma nuvem faz escurecer o mar É que mais vale um olhar para o mar cinzento Do que o mar cinzento no olhar E apagas velas que nunca sentiste arder Abres as portas que dão para lado nenhum Ganhas aos pontos só pelo prazer de perder Talvez para um qualquer mas não para qualquer um. 12. CANÇÃO DE EMBORCAR Se a garrafa acaba eu não sei o que fazer Aia aia ô O mal é que eu não sei parar de beber Aia ô aiê O certo é que isto me anda a preocupar Aia aia ô Mas de guela seca é que eu não sei estar Aia ô aiê Se a garrafa acaba volta-se a encher E o pior de tudo é parar de beber Se é muito ou se é pouco isso eu já não sei Aia ô aiê Fiz de uma garrafa minha companhia Aia aia ô Só estou mal com ela se a vejo vazia Aia ô aiê Já me deram ordens para eu abrandar Aia aia ô E agora eu ando a beber mais devagar Aia ô aiê Se a garrafa acaba volta-se a encher E o pior de tudo é parar de beber Se é muito ou se é pouco isso eu já não sei Aia ô aiê O primeiro Bebe-se cheio O segundo Até ao fundo O terceiro Como o primeiro E os outros Como segundo E para acabar em comunhão Emborca-se o garrafão Se a garrafa acaba volta-se a encher E o pior de tudo é parar de beber Se é muito ou se é pouco isso eu já não sei Aia ô aiê 13. DOIDEIRA É uma doideira Como eu nunca vi É que eu não faço outra coisa Senão pensar em ti Esta carta que eu te escrevo é para falar da minha afronta Se calhar vai cheia de erros mas a intenção é que conta Eu vou ter de andar fugido até que o destino queira Por naquele dia teres ido a dar comigo na eira E eu vou ter que andar a monte, a dormir no meio da palha, É que se o teu pai me apanha não há santo que me valha. É uma doideira… Eu já me tinha constado que tu andavas guardada Mas por também estar tentado fiz que não entendi nada Cada qual sua vontade cada vontade um olhado Ambos quisemos o mesmo, nenhum de nós foi culpado Espero que tu não me esqueças, nem te posso chegar perto É que um tiro na cabeça é o que eu tenho mais certo É uma doideira… 14. NINGUÉM É DONO DO MAR O mar não e de ninguém Ninguém e dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não e de ninguém Ninguem e dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguem é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar Se eu um dia não voltar Desenha o meu nome no chão Pede um desejo ás ondas do mar E guarda na tua mão Sempre que a noite vier, quando não houver luar Dá o desejo a uma onda qualquer e pede-lhe para eu voltar Trago o destino das águas No aguardar dos rochedos Dizem que o tempo á que apaga as mágoas Quem será que apaga os medos? O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar E se depois eu vier Foi porque o mar te escutou Deixa os sorrisos correrem pela praia Que o temporal acabou E havemos nós de fazer Se a sorte está decidida As mãos que nos têm presos à morte São de quem nos prende à vida Trago um coral de ansiedades Por te querer saber deitada Maior que a dor que vem nas tempestades Ter de esperar pela chegada O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar Vou embalado pelo vento Ando sem hora marcada Na barca anda um lamento Que nem eu sei de onde vem Andam rezas pela praia A aguardar pela chegada Faz-se o destino cinzento Sempre que a barca não vem De ninguém ... de ninguém ... O mar não é de ninguém Ninguem é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar O mar não é de ninguém Ninguém é dono do mar Nem aqueles que lá sabem navegar 15. VADE RETRO SATANÁS Esta noite não nos dá o sono Não há abandono nem há cor de solidão Vai mudar o ano, já é tempo De deitar mágoas ao vento E acender a paixão Já se junta o povo no terreiro Já se ouve o gaiteiro lá ao longe a foliar Deitam-se os agoiros na fogueira Corre o vinho a noite inteira É o fim das coisas más Vá de retro satanás Já se pôs a cabra a assar no pote Que nunca se esgote o que a terra tem p'ra dar Calhe boa a nova sementeira E haja pão na eira Lá pró tempo do acordar Abre-se uma porta à outra vida Se calhar escondida onde a alma vai dormir O carro a chiar soou no breu O canhoto já ardeu E o que é mau ficou p'ra trás Vá de retro satanás 16. NEM MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA SE ACABE A solidão espalhada p´los penedos Embrulha a alma em folhas de saudade A noite acorda o sabor dos segredos E traz nos dedos a cor da vontade E só a voz da lua é que me amansa E me adormece ao canto da gaivota No fim do mundo o tempo quebra a dança E o vento lança aromas de outra rota O sol acalma como um grão de areia E dorme enquanto espera a madrugada Em cada noite escura há uma candeia Em cada ceia uma fome adiada Em cada grito há uma voz calada Encruzilhada p´lo meio do caminho Em cada sono há uma alma acordada Desnorteada como um burburinho Ouvi dizer o povo e o povo bem o sabe Nem mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe Mal amanhece o horizonte espreita Enquanto espera p´lo raiar do dia Já se adivinha o calor que se ajeita E o chão aceita o fim da noite fria Rir da tristeza chorar da alegria Abrir caminhos como um peregrino Deixar que a vida traga outro dia Fazer folia a meias com o destino |